"Atenção, isto é uma gravação", avisa uma narração no começo do disco "Como é Bom Ser Punk", do Língua de Trapo. O alerta, além de esclarecer o detalhe óbvio pro ouvinte que ainda não tinha se tocado, já revela o tom bem-humorado das músicas que virão a seguir.
A primeira faixa, "Fraude", soa como uma música fraca pra dançar dos anos 80, porém com uma letra crítica ("Não quero saber de cabelos/Estou mais preocupado é com a minha cabeça")... Até um pouco autocrítica, na verdade ("Eu sou um imbecil/Um cretino, um mentacapito/Ah eu sou um idiota"). Ou talvez não seja crítica coisa nenhuma, seja tudo puro deboche, uma grande fraude mesmo.
É uma dúvida que sempre fica ao se ouvir Língua de Trapo. O conjunto, formado no começo dos anos 80, figura, ao lado de grupos como o Premeditando o Breque e o Isca de Polícia, como um dos mais importantes do movimento da Vanguarda Paulista, que embalou a juventude paulistana no periodo pós-ditadura. Seguia uma linha parecida com aquela que o Joelho de Porco inaugurara alguns anos antes, encontrando motivo pra tirar sarro em tudo, transitando entre vários estilos de música, mas sem nunca perder a gozação e a crítica.
Esse estilo gozador pode ser percebido na segunda faixa, "Donos do Mundo", uma música circense infantilóide que poderia muito bem ser o tema de abertura do programa da Xuxa, se não fosse pela letra ("Balão é o cacete/Nós queremos é dinheiro"). Em seguida, vem "Deusdéti", canção que, com um quê de sertanejo, é o canto de um militante de esquerda frustrado em seu dilema de escolher entre o partido bolchevique e a namorada burguesa. "Country os Brancos", numa pegada de trilha de filme de faroeste, conta a história do caubói que, ao invés de ir matar índios no Arizona, anda armado à serviço da Funai.
O "Samba Enredo da TRP" zomba abertamente da organização ultra-reacionária TFP (Tradição, Família e Propriedade). "E hoje, sou fascista na avenida/Minha história mais querida/Dos reaça nacional", diz a letra, em meio a 'anauês' e elogios à Santa Inquisição, ao Nazi-Fascismo, à Monarquia e à Ditadura Militar.
A melancólica faixa-título "Como é Bom Ser Punk" tira sarro do espírito de porco sujo do movimento punk, descrevendo a emoção que é a de sentir-se um maloqueiro. Em seguida, a clássica "Os Metaleiros Também Amam", que o Iron Maiden só não fez um cover ainda porque o vocalista não fala português, conta a trágica história do metaleiro que se apaixonou por uma gótica no show do AC/DC, lá no Rock in Rio ("Eu quero mais é que ela vá pra Marrakesh/E que por aqui não mais retorne/Pra eu curtir em paz meu Ozzy Osbourne").
"Força do Pensamento" é hilária, "Coquetel Beneficiente" ri da "high-society" e "Um Brasileiro Em Paris" você só vai entender se falar francês. "A Vingança do Hipocondríaco" é um divertidíssimo samba à lá Moreira da Silva com nomes de doenças e "Conspurcália" fala da nojeira que é a comida que consumimos ("Corantes acidulante, gases aromatizantes/Mamãe prepara a merenda com muito carinho/E assim ela encomenda a gastrite do filhinho"). O disco termina lá embaixo com "Amor À Vista", de todas, a faixa mais fraca, sobre a opção de se prostituir pra conseguir sobreviver nesses tempos de crise...
Enfim, mas de modo geral o disco é muito bom, além de muito engraçado (talvez valha até mais como obra de humor do que como obra musical). Recomendadíssimo pelos saqueadores de cidade. De qualquer forma, não deixo de avisar: é tudo só uma gravação.
Faixas:
1. Fraude
2. Donos Do Mundo
3. Deusdéti
4. Country Os Brancos
5. Samba Enredo Da T.R.P.
6. Como É Bom Ser Punk
7. Os Metaleiros também Amam
8. Força Do Pensamento
9. Coquetel Beneficente
10. Um Brasileiro Em Paris
11. A Vingança Do Hipocondríaco
12. Conspurcália
13. Amor À Vista
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Um comentário:
Há alguns anos encontrei esse disco junto de outros numa banca de revista. Faltou grana, mas ele nunca me saiu da cabeça.
Obrigado pelo download e eu curti bastante a resenha!
=D
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