terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Infernal Noise Brigade - Vamos a la Playa (2003)

Infernal Noise Brigade - Vamos a la Playa
                
               Mesmo pra bom entendedor, o minuto e meio da introdução não basta: é uma mensagem da polícia mexicana informando que se inicia formalmente o processo que tem como objetivo garantir a tomada de decisões adequadas durante o encontro da Organização Mundial do Comércio (OMC, em inglês WTO) em Cancún, no ano de 2003. Vire à esquerda e o disco começa. 
               Quem toca é (a multidão e) a Infernal Noise Brigade (INB), que viajou para lá durante esse encontro da OMC e fez, registrando parcialmente nesse disco, algo muito distinto de uma viagem cara de formatura ou de uma estada num hotel de luxo com tudo incluso. Tocou junto com as manifestações de rua que se opunham ao movimento de globalização, em parte do que foi chamado de “movimento anti-globalização”, também marcado por manifestações contra o Fundo Monetário Internacional (FMI) e contra o Banco Mundial, entre outros ícones defensores do capitalismo. [Quem quiser conhecer mais sobre esse movimento, sugiro a leitura do “Urgência das Ruas”, fácil de ser achado na internet afora.]
               Não é possível perder de vista a perspectiva política do grupo ao ouvir o álbum; a própria escolha desse espaço – e o momento, claro – das apresentações e de gravação partem dessa visão. Assim como as letras e instrumentos, que utilizam algumas vezes elementos de culturas consideradas de resistência, resultando em uma sonoridade distinta, algo balcânica e oriental. Apesar de ser uma banda de rua e utilizar instrumentos similares as fanfarras militares, proporcionam no geral um som e possibilidades de ação política extremamente diferentes desse “tio reaça”- pra começo de conversa, sai um som bem mais interessante.
               Esse quê balcânico marca presença em diversas faixas, como a segunda, Praha, em que também se pode perceber as viradas e convenções típicas de fanfarras que tocam nas ruas. Outra faixa em que é clara essa influência balcânica/oriental é Nagarawalla e a seguinte, Ja Helo. A melodia e as letras cantadas pela banda nessas 3 músicas arrastam o som pra esse lado de lá do meridiano de Greenwich, com uma ajuda dos instrumentos que utilizam: pessoalmente, acho que o uso que a INB faz dos pratos ajuda a engrenar por esse caminho.      
               Assim como outras baterias, o som que a INB faz se caracteriza por usar também as vozes dos próprios integrantes amplificadas por uma espécie de alto-falante ou megafones, sendo praticamente um tipo de instrumento. Com esses aparatos de timbre muito característico cantam letras e palavras de ordem das mais variadas. No caso da INB, são quase que completamente impossíveis de entender: nas músicas que já citei não consigo entender nadica É só em Ou Est la Libertè  que consigo entender uma frase, do refrão; em Down Down WTO entendo que se diz o nome da música mas não o que se diz depois. Falando em Ou Est la Libertè, acho que essa é a faixa mais ocidental do álbum, com as letras (teoricamente) em francês e melodia mais "tradicional". O megafone entra e reforça o "tempero" da faixa,  pra cá daquele meridianozinho, além de dar uma variada na melodia dos metais. Isso ocorre de maneira geral nas músicas em que há a participação de voz amplificada: a diferença é que em algumas o som é empurrado bem pro oriente.
               Diga-se de passagem que a melodia costuma ser algo simples, bem rumo ao popular, as palavras de ordem e cantos seguem essa fórmula também: o foco claramente não é uma experimentação, dodecafonismo ou piração virtuosística. Enquanto essa parte é explorada pelos megafones e metais, a parte rítmica é segurada bem pelos instrumentos da percussão. Eles articulam muitas viradas ao longo da música, quebrando essa certa monotonia da cozinha de baterias e deixando, pelo menos pra mim, as faixas um pouco mais interessantes e bonitas, além de me surpreender em alguns casos com o caminho que umas viradas tomam. O uso de efeitos criando colagens sonoras é bem interessante, e o timbre de voz megafonada é algo único e que me capturou faz tempo.
               A participação da multidão é clara e domina algumas faixas do disco, como Down Down WTO e Km Cero (i) e (ii) . Km Cero (i) é uma colagem de falas dos atos de Cancún – destaco aqui que se diz principalmente “(...) A luta segue, segue! EZLN, EZLN![Exército Zapatista de Liberação Nacional]”, com uma fala da polícia mexicana depois. Dá pra ouvir nessas faixas também os efeitos sonoros que a INB usou, criando uma espécie de mosaico sonoro com o som da bateria e os sons ambientes de um ato dessa magnitude, como gritos nos finais das músicas e mensagens da polícia. Além de criar transições de faixas em que a multidão se faz mais presente para outras em que a presença da banda é maior - como de Km Cero (i) para Hamaq. Essa e Kyoto Dischord são regravações de faixas presentes em outro excelente álbum da mesma banda, chamado Insurgent Selections for Battery and Voice. A INB, apesar de não trabalhar tanto o peso da multidão em suas músicas, como outras diversas fanfarras gringas, leva a voz em consideração. Exemplo é o nome de seu primeiro disco.
               O Vamos a la Playa é um exemplo de atividade política e música que saiu do enclausuramento estético e político que é presente em boa parte dos grupos tanto à direita quanto à esquerda, junto com outros movimentos concomitantes, como o "movimento anti-globalização" e, bem mais importante, o EZLN. Vai ainda além de uma mudança puramente "2.0", somente estética, de alguns desses grupos, defendendo uma mudança num aspecto mais amplo. Exemplo disso é a canção que encerra o álbum, La Andina, que possui uma linda melodia. Foge de incorrer na breguice-por-breguice de canções de protesto à la caminhando e hinos de entidades mil por esse mundão afora, com a INB dando um gás com seus pratos, tambores e metais. Também fugiu do rótulo de música-de-protesto-tipo-punk, com o som pesado e distorcidos, aqui é mais na base da sutileza, dos swings e balcãs.
               Difícil destacar faixas aqui, acho que vale a pena ser ouvido por inteiro - inclusive o samba diferente e "errado" que é Bloco Fogo - e é uma experiência intensa. Obviamente importantíssimas são as faixas curtinhas sem música, que dizem muito da fanfarra. Em resumo, acho que o que fica desse disco é esse re-movimento, como o que ocorre na última música, e essa experiência musical fortíssima, descrita pela INB em seu site como "INB vs OMC, parte II". E também umas frases do disco - aí vai de cada um pra cada um mas acho sensacional o que vem no final de La Andina: “vamos a la playa, ô-ô-ôôô”!


Faixas:
 
1-Introduction
2-Praha
3-Goat Eyes

4-Ou Est la Liberte
5-Down Down WTO
6-Kyoto Dischord
7-Nagarawalla
8-Ja Helo
9-Km Cero (i)

10-Hamaq
11-Km Cero (ii)

12-Bloco Fogo
13-La Andina


Download nos comentários. Minha participação anterior no saqueando envolveu a postagem de um disco liderado por um imbecil quasi-fascista. Agora, no aniversário desse renascente blog, dou um presente que ele merece!

Um comentário:

Fuzzer disse...

Links em torrent:

http://thepiratebay.se/torrent/4752654/Infernal_Noise_Brigade_Discography_-_VBR_-_MP3 [em MP3, a discografia inteira de presente. Ou delete os outros discos depois :( ]