quinta-feira, 24 de janeiro de 2013
Sarband - Satie en Orient (2005)
Não sou muito de começar abrindo parênteses, mas a Ensemble Sarband que me perdoe: são todos talentosíssimos músicos, de competência inquestionável, mas não é possível falar desse álbum sem antes discorrer um pouco a respeito do sujeito que compôs todas as peças nele executadas: Éric Alfred Leslie Satie, vulgarmente conhecido por Erik Satie.
Abre parênteses, portanto.
Francês filho de mãe escocesa, Satie viveu em fins do século XIX e é considerado um dos grandes expoentes do impressionismo musical, do minimalismo e é corriqueiramente lembrado como um sujeito excêntrico, misterioso e com um peculiar senso de humor.
O caráter pitoresco de Erik Satie começou a ser traçado em sua infância: após perder a mãe aos 7 anos, foi morar com o tio, um boêmio parisiense e, em meio aos boulevards e cabarets da Cidade-Luz, como bom auto-didata que era, aprendeu rapidamente a tocar piano. Se engana quem pensa que o ambiente fez do rapaz um completo doidivanas: apesar da postura irreverente e de sua excentricidade, o músico francês sempre teve um trabalho caracterizado pela sonoridade organizada e sóbria, mas ainda assim carregada de emoção. Foi nos idos de 1888 que, tocando seu piano nos cabarés de Montmarte, - a destacar o famoso Chat Noir - Satie ganhou notoriedade dentre os compositores e apreciadores de música em Paris e, desde então, sua importância na história da música só cresceu. Se tornou amigo e influência de pessoas como Debussy (que chegou, inclusive, a orquestrar as famosas Gymnopédies, peças mais conhecidas de Satie) e Ravel, trabalhou com Picasso e Jean Cocteau na criação do ballet Parade - considerado por muitos a primeira manifestação de surrealismo nas artes - e ainda se relacionou com gente do Dadá, com quem produziu coisas excepcionais. Sem falar, é claro, que foi mentor do notável Groupe des Six e um dos homens a plantar as primeiras sementes para o nascimento do jazz, criando o ragtime.
O que esperar de um músico como esse, portanto? Sinfonias, óperas? Não. Erik Satie sempre prezou - e isso causava o maior espanto na época - pelo o retorno à simplicidade e aos modos arcaicos característicos das músicas gregas, bizantinas, góticas e medievais em suas composições. Nas mãos do francês de semblante bizarro, os pianos choravam lamentos dignos das viúvas de soldados espartanos, expunham aflições que haviam se perdido entre jardins e templos babilônios e resgatavam memórias destroçadas na poeira das ruínas dos impérios bizantinos. Dentre seus trabalhos mais conhecidos, as já citadas Gymnopédies (que não deveriam ser tocadas nem em adagio, nem allegro, nem andante, nem presto. As partituras diziam somente "lent et douloureux", "lent et triste" e "lent et grave". Não é necessário dizer que a atmosfera é exatamente essa, não é mesmo?) e as Gnossiennes, que conseguiram explorar ainda mais o flerte de Erik com o oriente. Com o tempo, seu trabalho acabou por adquirir duas vertentes: o humor musical (com coisas como Pièces froides, Pour un Chien etc.) e um namoro ainda maior com os vestígios musicais do Oriente. Sua associação com a Ordem dos Rosacrúcios o aproximou ainda mais da sonoridade dos bizantinos e as Danses Gothiques e as Trois sonnieries de la Rose-Croix são frutos vivos e maduros disso.
Satie não viveu pouco, mas ainda assim morreu jovem: faleceu aos 59 por conta de cirrose (é, gente, uma hora a conta da cerveja acaba chegando...) e deixou um legado importantíssimo para a música moderna. Criou a música ambiente, foi um dos pais do surrealismo e ainda resgatou tradições que há muito haviam se perdido. Para não falar nem a metade do que ele fez.
Fecha parênteses.
Agora sim, posso falar do Sarband! O conjunto, que surgiu na Alemanha em 1986, tem como grande proposta a ponte entre a música oriental e a ocidental. Grande parte do seu trabalho consiste em traduzir - com muita competência, diga-se de passagem - grandes sons eruditos em ritmos arábicos. Lançado em 2005, o álbum Satie en Orient é uma brilhante prova da competência desses músicos que, por sinal, vêm de sete nações diferentes. Para as composições de Erik Satie, o alaúde, o kementché (espécie de violino), o qanoun (cítara do oriente-médio) e os cornes arábicos caem como uma luva. O esforço e as pesquisas da Sarband em reencontrar as raízes da sonoridade do francês foram tão excepcionais que não há como passar em branco por um disco desses. Desde o primeiro choro vindo das cordas arqueadas na Gnossienne nº1, dá pra perceber o quanto o material é diferenciado. Além de todas as composições já citadas anteriormente, gostaria de destacar também as redenções de Chanson (esta, inclusive, com uma irreverente "assobiadinha" que deixaria Satie bem contente), Chanson Médiévale, Élegie, Les Anges e Hymne, todas pertencentes na série de composições baseadas em poemas de Contamine de Latour. A beleza é incomensurável.
Melhor ouvir e entender do que ler descrições. Em tendo a oportunidade e uma hora para se dedicar à degustação dessa fina peça, faça-o. Seria a mesma coisa que dar uma banda com o velho Erik pelos mercados de Istambul. Acredite: tanto ele quanto você achariam muito bacana.
Faixas:
1. Gnossienne nº1
2. Gymnopédie nº1 (lent et douloureux)
3. Gnossienne nº3
4. Chanson
5. Prélude d'Eginhard
6-8. Trois sonneries de la Rose-Croix:
(6. Air de l'Ordre
7. Air du Grand Prieur
8. Air du Grand Maître)
9. Élegie
10. Gnossienne nº5
11. Les Anges
12. Gymnopédie nº3 (lent et grave)
13. Danse gothique nº3: En faveurs d'un malhereux
14. Chanson Médiévale
15. Uspud Ballet Chétrien
16. Hymne pour le "Salut Drapeau", Prose extraite du Prince de Byzance de Joséphin Péladan
O link está nos comentários, meu povo.
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Um comentário:
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http://www.4shared.com/rar/QOgSrSht/Satie_en_Orient.html
Logo menos subimos um torrent, pessoal!
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