sábado, 29 de dezembro de 2012

Ornette Coleman - Free Jazz (1960)

Ornette Coleman foi enorme no free jazz. Pelo que tudo indica, ele não inventou esse tipo de música, pois ela foi inaugurada por Lennie Tristano em 1949 (ou antes disso, até) quando este lançou a gravação “Crosscurrents”, que continha uma sessão de improvisações da qual os músicos participantes alegavam que “liam a música” na cabeça de seus parceiros”. Contudo, Ornette Coleman criou o conceito desse jazz libertário.
Cabe contar a trajetória desse musicão: Começou com saxofone aos sete anos, e conseguiu aprimorar sua técnica rapidamente. Com quinze anos, fez parte de um grupo de R&B. Posteriormente, quando tomou a estrada, seu modo de tocar não foi muito bem aceito pelas ruas, ora pela sua apresentação desleixada e ora pela falta de ortodoxia de seus bebops. Contudo, suas composições a muitos surpreendiam, e rechearam livros de partituras bluesísticas pelos Estados Unidos.
Algum tempo se passou, e um grupo de músicos com interresses comuns se juntaram para fazer um som. Entre eles, o mestre do trompete vanguardista, Don Cherry. O grupo começou a gravar. Nos discos, eles sempre alegavam que a inovação estava por vir, o que é facilmente perceptível em títulos de discos como “Tomorrow Is the Question!” ou “The Shape of Jazz to Come”, ambos de 1959.
Em 1960, chegou inovação: o álbum “Free Jazz”. Nele rolava uma oscilação entre longos momentos de improvisação e pequenos momentos com composição, sendo estes muito pouco redondos e aqueles menos redondos ainda. O disco levava como subtítulo/ explicação a seguinte sentença: “A Collective Improvisation By The Ornette Coleman Double Quartet”. Mas quem era esse duplo quarteto? Além de comparças de som de longa data como Don Cherry, grandes figuras do jazz como Freddie Hubbard também integravam o conjunto.
Coleman, no auge dos seus 80 anos me bateria se lesse isso, mas o disco não era inovação por inteiro: a improvisação é praticamente um bebop destorcido e retorcido pontuado por certos momentos extremamente anárquicos e/ou aleatórios. Mas não é possível ser inovação por inteiro, não é mesmo? Influências existem, felizmente.
Inaugurou-se, assim, uma nova etapa do jazz. Certa vez, Ornette (certamente sobre tom de uma risada orgulha) disse: “os músicos me dizem que se o que eu estou fazendo é o certo, eles nunca deveriam ter ido a escola”. O free jazz pôde, muito bem, representar uma reforma na música, e mudou o cenário jazzístico universal, propiciando sonzeiras como Sam Rivers ou Sun Ra, que também estão aqui no Saqueando a Cidade!

Quanto as faixas, são duas, sendo dois takes da improvisação. Uma delas tem como nome "Free Jazz" e a outra "First Take", mas ambas tratam praticamente da mesma forma, se é que isso é possível.

bom. link nos zommentz

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Tri Yann - An Naoned (1972)


Situada no noroeste da França, a região da Bretanha foi o berço de diversos povos celtas, mais especificamente dos gauleses bretões, daí o óbvio ululante nome da província. Passaram-se séculos desde a queda do Império Romano e desde o fim da Gália, os povos latinos se tornaram maioria e o francês passou a ser a língua oficial da região. Mesmo assim - e isso poucos sabem - a Bretanha continua tendo seus bretões que, diga-se de passagem, são muito orgulhosos e mantém com esmero suas tradições e sua língua. Embora pouco conhecidos por aqui, os grupos de folk celta sempre fizeram certo sucesso na região. E foi na velha cidade de Nantes que surgiu um dos grupos de maior destaque dentro do estilo musical.

O Tri Yann (do bretão "Três Jeans") surgiu em 1970 e era composto, em sua formação original, pelos músicos franceses Jean Chocun (vocais, violão e banjo), Jean-Paul Corbineau (vocais, violão, gaita e colheres - sim, colheres) e Jean-Louis Jossic (vocais, dulcimer, pennywhistle - espécie de pequena flauta irlandesa de níquel -, berimbau-de-boca e bodhrán), acompanhados no contrabaixo e no violoncello por Bernard Baudriller. Seu primeiro disco, An Naoned (ou "de Nantes" no velho e bom português), tem um acervo composto basicamente por canções tradicionais francesas e célticas, cantadas ora em francês, ora em bretão. A instrumentação folclórica utilizada cria, para o ouvinte, uma atmosfera que caberia muito bem a uma mesa de taverna farta de hidromel, a uma festa gaulesa ou até mesmo a um pasto tranquilo perto de Stonehenge. Além da riqueza de timbres e do uso simples, porém belo, de escalas modais, o ponto forte do álbum de estréia do grupo francês está nos belos arranjos vocais dos membros da banda. Em muitas das faixas, cantam em um coro muitíssimo bem sincronizado e afinado e, nas que algum dos cantores da banda leva tudo nas costas, ele o faz com muita qualidade.

O disco abre com a alegre Les Filles des Forges, um alegre iodelei em homenagem às donzelas que se confessavam após ter ido a um baile. La Vierge à La Fontaine é quase que um lamento regado ao belo som do dulcimer. Em seguida, uma das instrumentais de maior destaque no disco (e, não vou mentir, minha favorita), Pastourelle de Saint Julien Maraichine. Trata-se de um catártico esmirilho na pennywhistle, uma genuína e quente dança medieval da bretanha. Tri Martelod, a quarta faixa, comprova exatamente o que eu havia comentado a respeito da qualidade de produzir arranjos vocais que o grupo possui. E qual não é a surpresa de quem está ouvindo o álbum ao escutar, logo em seguida, um belo poema (Before Ireland Can Go Free) na mais serena das vozes? Certamente certa emoção, principalmente ao perceber que ela se emenda num passe de mágica com a tradicional escoçesa Ye Jacobites!

Além dessas supracitadas, merecem maior destaque a música que veio a virar hit com o lançamento do álbum, Les Prisons de Nantes, canção de estruturação similar à faixa de abertura, mas com um ânimo um pouco mais sublime e Le Dauphin, singela homenagem aos príncipes que irão assumir o trono de seus pais um dia.

O som do Tri Yann é realmente muito interessante para quem está afim de conhecer um folk diferente do convencional. Não é dos mais normais, mas é extremamente fácil de se ouvir e de digerir. Altamente recomendado!

Faixas:
1. Les Filles Des Forges
2 La Vierge A La Fontaine
3. Pastourelle De Saint Julien Maraichine
4. Tri Martelod
5. Before Ireland Can Go Free (Poeme De Sean O Casey)/Ye Jacobites
6. Les Filles D'Escoublac
7. Johnny Monfarleau 'Madame Bolduc'
8. La Calibourdaine De Breca
9. Les Prisons De Nantes
10. An Alarc'H
11. Le Dauphin
12. Au Pied D'Un Rosier

Link nos comentários, frères!

Saquearam o Saqueando!

Caríssimos amigos e amigas,

Em meio a este infernal calor que anda fazendo aqui em São Paulo, pude encontrar-me ontem com o Caio (que, junto comigo, abriu este blog em 2008 e o reergueu em 2009) e com o Fuser (grande postador e estimadíssimo camarada) e, saudosos e com certo sentimento de disperdício ao ver um site tão bacana como o Saqueando às moscas, tomamos a decisão de botar a coisa para rodar de novo.

A primeira coisa que consideramos importante para botar ordem na casa era arrumar os links que estavam perdidos ou expirados... E qual não foi a nossa surpresa ontem - fazendo o levantamento das "perdas" - ao descobrir que nada mais que 134 discos haviam sido sumariamente eliminados do nosso acervo pela censura que vem se instaurando na internet nos últimos anos?

Saquearam o Saqueando!



Mas isso não vai ficar barato, tenham certeza disso. Já estamos trabalhando para recuperar todas as sonzeiras perdidas nesse buraco negro do contínuo espaço-tempo e... Adivinhem só? Resolvemos aderir à modernidade e começar a postar discos em torrent pra facilitar a vida e garantir material de maior qualidade. Mas por que o torrent, se os mirrors e uploaders eram tão eficientes? Ora! Além do download ser mais rápido, é possível transmitir arquivos muito maiores.

Confesso que não sei explicar direito como funciona esse sistema. Ao que me consta, ao compartilhar o arquivo na rede em Torrent, o download é dividido pelo servidor aleatoriamente entre todas as pessoas que estão baixando. Dessa forma, cada uma baixa uma parte do arquivo e retransmite para as outras (o famoso seeding), deixando o servidor livre e propiciando um download de altíssima velocidade.

Baixar um torrent pode parecer complexo à primeira vista, mas é realmente muito simples. Você só precisa ter um client de bit torrent instalado e rodando no seu PC/Mac/Linux/que seja (recomendamos o uso do µTorrent ou do BitTorrent para o serviço). Tendo esse essencial plugin na sua máquina, basta baixar o arquivo-fonte do torrent nos links que disponibilzaremos para vocês, selecionar a pasta de destino e.... bom, aí vocês decidem. Sair para tomar um cafézinho, dar uma volta no parque, tanto faz. Esperar o download acabar do jeito que vocês acharem melhor, hehehe! E lembrem-se sempre de deixar o torrent baixado ativo no client mesmo depois de baixado: dessa forma, vocês continuam a enviar os arquivos para a rede de downloads (sem nenhum prejuízo ao desempenho do seu computador, vejam bem) e fazem com que o arquivo continue vivo e cada vez mais fácil de ser baixado! É o livre-compartilhamento em sua mais gloriosa forma!

Enfim, creio que, por hora, seja isso. Esperem, nos próximos dias, por links fresquinhos e por novas e inusitadas sonzeiras ao nosso repertório.

O Saqueando foi saqueado, mas vai voltar mais saqueador que nunca!

Obrigado a todos que nos acompanharam nos últimos anos. Estamos trabalhando para voltar a ser o blog bacana que um dia já fomos!

Salud!

domingo, 23 de dezembro de 2012

T.S. Bonniwell - Close (1969)

No dia 25/12/2011, manhã de Natal, deparei-me com uma notícia que acabou deixando amargo o dia que normalmente é dedicado à confraternização, à comemoração e, acima de tudo, à degustação de presunto, peru, arroz de champagne...

Thomas Harvey "Sean" Bonniwell, meu ídolo e grande nome do rock de garagem, havia morrido.

A primeira coisa que me veio à cabeça foi fazer-lhe uma homenagem... Mas as palavras não fluíam. Não que, um ano depois, eu sinta que consiga escrever algo à altura de sua qualidade como letrista e compositor, mas tentarei fazer o possível.
Diferentemente do que consta nos anais da história e na sabedoria do populacho, Bonniwell começou a sua carreira musical num quarteto vocal de pop-folk chamado The Wayfarers. O único registro de suas canções está num álbum raríssimo gravado ao vivo na Feira Mundial de 64 (At The World's Fair), tão raro este que nem mesmo a velha e boa internet foi capaz de nos fornecer todo o material até o instante (mas eu prometo que eu posto ele aqui pra vocês assim que eu conseguir tê-lo completo em mãos). O conjunto acabou não durando muito e Bonniwell, à época, jovem, ansioso e inquieto, entrou de corpo e alma no mundo do rock com os Ragamuffins - que, com o tempo, crescimento musical de seus integrantes e saída de uns e chegada de outros, se tornou o Music Machine, onde Sean cravou seu nome no rock de garagem psicodélico. A banda tinha uma atitude agressiva - para muitos estudiosos de música, eles anteciparam em uma década o punk - e um visual inconfundível: todos os membros usavam cabelo esfregão, roupas pretas e uma luva de couro na mão direita. A partir daqui a história vocês já conhecem. Depois de atingir sucesso relativo com Talk Talk, Trouble e Cherry Cherry, o grupo chamou a atenção da Warner, assinou contrato novo e, para dar mais destaque ao seu líder e principal compositor, mudou de nome para The Bonniwell Music Machine. Aí, nos idos de 1967, o grupo atingiu seu ápice musical com Beyond The Garage, que continha pérolas como The Trap, Double Yellow Line, To The Light e Astrologically Incompatible.

Sean e seu estiloso conjunto de bigode e cavanhaque.

Mas nem tudo são flores, não é mesmo?

A banda estava trabalhando em mais um disco - a ser lançado em 1968 com o nome Ignition. O material acabou sendo remasterizado e lançado pela Sundazed em 2000-, mas Sean seguia descontente. Os desentendimentos do grupo acabaram por dissolvê-lo. Mas isso não abalara Bonniwell: em 1969, o músico ressurge no cenário musical com Close, seu primeiro álbum solo, lançado pela Capitol Records. O disco é um marco na sua vida por alguns motivos específicos: aqui, Sean abre mão de sua impetuosidade de jovem revoltado, reencontra seu passado folk, cantando músicas gentis e leves e também muda um pouco de postura ao assumir seu nome de batismo, Thomas, ao assinar o disco como T.S. Bonniwell. Mas mais importante que tudo isso é o fato do disco ter sido praticamente ignorado pelo mercado (e pela gravadora), fato que causou enorme desgosto em Sean. Desgosto esse tamanho a ponto de fazê-lo vender todas as suas coisas, crescer uma barba e sair numa viagem de "retiro espiritual" pelos Estados Unidos da América, no melhor estilo beatnik. Durante esse tempo nas estradas, o cantor e guitarrista acabou se convertendo - com certa ênfase, diga-se de passagem - ao Cristianismo, escreveu uma autobiografia contando sua vida de garageiro e, nos anos 80, foi convencido pelos Fuzztones a tirar o pó da guitarra e gravar uma nova versão - sensacional, diga-se de passagem - de The People In Me. Em 2004, reuniu o Music Machine e saiu em tour pela Europa. Inclusive, temos o bootleg aqui no Saqueando. Você pode achá-lo neste link aqui. Pera, não tem link? Rapaz, vou lhe falar: essa censura à divulgação de música na internet está se tornando cada vez pior. Vamos refazer o upload dessa pérola assim que possível.

Quanto ao Close, serei bem sincero: não dá pra dizer, nem de longe, que contenha qualquer uma das melhores composições de Bonniwell. Dentre as 11 faixas do disco, destacam-se o lamento Where Am I To Go (um prenúncio à necessidade de Bonniwell se reencontrar com sua espiritualidade?), Black Snow (que chegou a ser gravada numa versão mais "pesada" pelo Music Machine e foi lançada no Ignition), o country à lá honky-tonk Where It Belongs e a despedida - momentânea - que fecha o disco, a inquieta Sleep.

Bonniwell foi, sem dúvidas, uma perda terrível para a música underground. Poucos sabem, mas Sean deixou um legado riquíssimo e que com certeza inspirou grandes nomes. Talvez nada mais digno para este grande homem do que morrer no dia da maior comemoração de sua religião. Foste um excelente músico, Bonniwell, sentiremos sua falta!

Com quase um ano de atraso - mil desculpas! -, mas com toda a admiração deste humilde blogueiro.

Descanse em paz e, como naquele e-mail que você muito atenciosamente me respondeu há alguns anos, may the Lord bless you with peace and prosperity.

"Rock and roll was a teenager in the '60s, and I used that climate to express my confusion, my anger, at the injustice of the world."
-Sean Bonniwell - 1940~2011   



1 Where Am I To Go 
2 Love is Such a Simple Word
3 Who Remembers 
4 Something to Me 
5 Black Snow 
6 She is 
7 Temporary Knife 
8 Continue 
9 Where It Belongs
10 But Not With My Heart
11 Sleep


Torrent em altíssima qualidade (agora nós estamos modernos, hehehe. Mentira: não consegui outro link pra esse disco, em especial) nos comentários, meu povo!