sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Angel's Breath - Angel's Breath (1994)




         Esse disco parte pesado desde o começo; dois caras provenientes dos Balcãs em conjunto com um monte de eletronicidades, bando de percussionistas e vocalistas brasileiros, gravado aqui em Sampa, cantado em grande parte em -confesso- uma língua que desconheço, mas claramente balcânica. Qual é a conexão que tornou essa obra possível? A resposta é Mitar Subotic, o Suba. Ele se radicou em São Paulo em 1990, depois de ganhar um prêmio pela UNESCO devido ao trampo The Dreambird, in the Mooncage, em que misturava música eletrônica e canções tradicionais – o que continuou a fazer com a MPB-bossa-nova posteriormente por aqui. Quatro anos depois trouxe para cá seu comparsa sérvio Milan Mladenovic, conhecido já nas paradas de Belgrado pela banda Ekaterina Velika, pra finalizar um projeto em comum que tinham começado por lá. Daí sai esse discaço, da banda homônima completada por João Parahyba na percussão, Fábio Golfetti na guitarra, Taciana Barros como conselheira suprema (!, a fonte é o encarte), Marisa Orth e Madalena nas vozes .
         A primeira faixa, Praia do Ventu Eternu, com u, tem um quê absurdo de MPB, com a distorção e o sotaque dando uma destoada – pessoalmente, acho que o trabalho de Suba influenciou muito a sonoridade da “nova” MPB e bossa, mas aqui não tem esse enclausuramento e soa fresco, rock de anos 80-90 com bossa sim senhor. 40 seconds of Love é uma curta fofurinha que antecipa os efeitos e distorção do começo de Metak, onde as eletronicidades de Suba surgem com maior força, calmando-se sem aviso – as letras cantadas possuem tradução em inglês no encarte do CD, incluido em alguns torrents, acho bom pra acompanhar toda a proposta – pirando levemente nos efeitos, percussões e vozes depois.
         O português “retorna”, se considerarmos a primeira faixa como algo similar à língua em que escrevo, na 4ª faixa: Assassino. Tem no geral um tom hollywoodiano, com a entonação teatral da fala e o climax no maior estilo psicose; a-ssa-ssi-no. A curta música que segue é em “idioma desconhecido” novamente, Aplauzi, sendo baseada em um loop de canto e poucos efeitos, criando um ambiente etéreo interrompido por balbuciações. Ogledalo começa com a gaita tocada por Mladenovic, com uma linha dançante de baixo, num climão mais rock clássico com óbvias concessões, menos distorcido apesar da presença dos efeitos eletrônicos, mais intensos em algumas partes – a guitarra, o baixo, o cinismo do vocal e as vozes em eco no fundo são tão rock pra mim que não tem efeito eletrônico que tire essas aura.
         Já Courage III puxa mais pro lado do eletrônico embora tenha um saborzinho balcânico de cordas, com uma letra interessante, ainda mais se pensado em relação com os principais membros dessa banda e os acontecimentos políticos na época de gravação do projeto: Guerra Civil Iuguslava. Isso pode ser observado também na oitava faixa, a ótima Crv - uma porrada, somente isso, rock beirando a punkice com acordeão e metais em alguns momentos. A música que a precede é Čaura. Pra mim, em vários sentidos - crv é verme e čaura é casulo, o que pode simbolizar uma antecedência. Além disso, ela tem um clima etéreo que pode ser associado ao estado de suspensão que é o casulo e, principalmente, a letra: em Čaura o protagonista da música não acorda e somente dorme pensando em sua própria cara, em um aparente sinal de consideração somente para si mesmo. Em Crv se critica essa autoadoração e arrogância de parte das pessoas, “faces com sorrisos orgulhosos”, que são egoístas, o que pode ser considerado uma resposta da banda às barbaridades em diversos sentidos que estavam sendo cometidas ou no "casulo". Ou não, e isso é somente piração minha – as músicas são boas independente de possíveis merdas que eu disse.
         O fim desse álbum se aproxima com Madalena, quase um loop eterno em que somam outras vozes, caindo numa distorção pesadíssima – e gostosa no timbre, pqp- no final. A última faixa é Velvet, dando um final deliciosamente instrumental e percussivo pra esse discão. Apontaria como favoritas praticamente todas. Fim: o álbum soa inseparável pra mim, com a possível exceção de Crv, que tem som de single mas que cai como uma luva no álbum.


1. Praia do Ventu Eternu
2. 40 Seconds of Love
3. Metak
4. Assassino
5. Aplauzi
6. Ogledalo
7. Courage III
8. Čaura
9. Crv
10. Madalena
11. Velvet

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quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Loyce & Os Gnomos - O Despertar dos Mágicos (1969)


Banda oriunda de Limeira, interior de São Paulo, Loyce & Os Gnomos deixou para posteridade apenas um compacto, lançado em 1969 pela gravadora local Dó Ré Mi. Disputada por décadas nos submundos dos colecionadores de vinis, o disco é uma verdadeira pérola do rock nacional, no melhor estilo nugget garageiro e psicodélico do fim dos anos 1960. Com a inclusão de duas faixas do grupo na recente coletânea Brazilian Guitar Fuzz Bananas: Tropicalistas Psychedelics Masterpieces (1967-1976), a banda saiu da obscuridade total e o compacto foi relançado em vinil, com tiragem limitada, pela Valeverde Records.
O título "O Despertar dos Mágicos" faz referência ao livro homônimo dos franceses Louis Pauwels e Jacques Bergier que fez fama entre aquela geração de hippies mundo afora, pois descreve fenômenos paranormais e alienígenas estudados pelas ditas "ciências ocultas" e esotéricas. A capa do disco e nome da banda também só reforçam o estilo bicho-grilo da obra.
No lado A, está a faixa "Era uma nota de 50 cruzeiros", com fuzz eletrizantes e microfonia, com uma pegada punk precoce, barulheira que deixa gringos como The Sonics no chinelo. Em seguida, vem a baladinha "José João ou João José", que seria a maior caretice, não fosse a letra sobre as gravatas que enforcam e dos cogumelos gigantes. No lado B, "Que é isso" é a melhor música do conjunto. Assim como no lado A, a faixa seguinte é novamente uma baladinha, mas que não resiste e termina tomada por guitarras psicodélicas.
Escute e assista o interior paulista ferver em chamas.

Lado A
1. Era uma nota de 50 cruzeiros
2. José João ou João José

Lado B
1. Que é isso?
2. A Jardelina Querida ou Coletivo

Links nos comentários, José João.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

The Fellowship - In Elven Lands (2006)



Filólogo, escritor e professor, J.R.R. Tolkien se consagrou em meios literários com duas obras: O Hobbit e o Senhor dos Anéis. O primeiro, livro infantil, conta a saga do então jovem hobbit (povo de baixa estatura - não ultrapassam a altura de crianças quando adultos - e de pés grandes e peludos) Bilbo Bolseiro em busca de um tesouro de um reino de anões que há muito tempo vem sido guardado pelo terrível dragão Smaug. O segundo, um pouco mais denso e complexo, voltado para um público adulto, conta a épica história do sobrinho de Bilbo, Frodo Bolseiro, enquanto ele tenta destruir um anel mágico pertencente ao Senhor do Escuro, que ameaça a tudo e a todos com a sombra de uma terrível guerra.

Talvez não seja necessário explicar muito mais a respeito desses dois livros em especial, mas nunca é demais dizer que o universo de fantasia medievalesca criada pelo britânico oriundo da África do Sul é de um valor mitolígico indubitável. Afinal de contas, Tolkien sempre se preocupou com a coerência e a complexidade das tramas que criava: a Terra-Média e Valinor, dois principais palcos de suas narrativas, possuem um panteão rico e detalhado de divindades, localizações geográficas precisas (além de escrever, o autor desenhava seus próprios mapas) e línguas próprias e características de cada povo que lá habita. Tolkien, por ser um grande estudioso de idiomas, criou estruturas gramaticais, sintaxes e formulou dialetos completos. O quenya, falado pelos altos-elfos, é derivado do finlandês. O sindarin, mais comumente falado pelos elfos, sejam eles altos, cinzentos ou da floresta, é baseado no galês. Já o rorric, idioma dos homens da Terra dos Cavaleiros, tem um quê de inglês arcaico. A fala negra, falada pelas maléficas criaturas de Mordor, era uma mistura de russo com o antigo idioma hurrita. Todas as línguas citadas foram moldadas de forma que sua fonética condizesse com o perfil dos personagens criados por Tolkien, sendo que as duas primeiras sempre se empostaram de maneira mais nobre, leve e melodiosa.

51 anos depois do lançamento do último Senhor dos Anéis, um grupo de músicos liderados pelos neozelandeses Caitlin Elizabeth e Adam Pike, em cooperação com o vocalista do Yes, Jon Anderson, lança um trabalho de sete anos de pesquisas e de composições minuciosas em cima do universo mitológico de Tolkien. In Elven Lands, concluído em 2006, tinha como objetivo constituir o que mais se aproximaria da sonoridade dos povos perdidos do vasto mundo de Arda. Para atingir tal fim, os músicos fizeram questão de aprender quenya e sindarin e - acima de tudo - estudar com afinco os mínimos detalhes das histórias do autor inglês para trazer, para o mundo dos homens, a música dos elfos. Além disso, todos os instrumentos utilizados na gravação do disco buscam se aproximar do que poderia ser utilizado na Terra-Média: o acervo flutua entre hurdy-gurdys, flautas de madeira, pandeiros, bombardas, alaúdes...

Pode-se dizer que o resultado é pra lá de satisfatório: o repertório do álbum é muito agradável acústicamente e não deve em absolutamente nada a qualquer outra tentativa de ilustrar musicalmente a obra de J.R.R. Tolkien. O ouvinte não terá dificuldades em, numa experiência sinestésica, viajar dos Portos Cinzentos até o Valle, dar uma banda pelas Florestas Sombrias, tomar uma ale espumante nas estalagens do Condado, passar pelas minas dos anões em Moria e muito mais! Dentre as várias peças nas duas variantes do élfico e em inglês, seria interessante prestar bastante atenção na animada Dan Barliman's Jig (uma energética balada non-sense à moda dos hobbits), nos vários versos dedicados a valar (divindades do universo tolkeniano) como Elbereth Giltoniel ou ao grande caçador Oromë, na bela The Man on The Moon (quem leu os livros reconhecerá a história contada aos hobbits por Tom Bombadil) ou mesmo na serena Silver Bowl (belo hino em homenagem ao espelho d'água da dama Galadriel de Lothlórien).

E como falar deste belo álbum sem citar a tensa Beware The Wolf, a esplêndida versão do clássico do Led Zeppelin Battle of Evermore (que, pasmem, também foi inspirado nos livros de Tolkien) e o lamento dos anões, When Dúrin Woke? Isso para não comentar, também, a beleza dos cânticos de Elechöi (aqui o velho Jon Anderson solta a voz numa linda composição) e a brilhante Eala Earendel, belíssima homenagem ao brilho das estrelas?

Certamente, não dá mesmo para fechar esse texto sem falar de Creation Hymn, estupenda redenção do Ainundalë do Silmarillion, conto de Tolkien que explica que a criação do universo se deu não pelo big bang, mas sim por uma bela música orquestrada por Eru ou Ilúvatar, a divindade de maior importância nessa mitologia toda. Se o próprio autor acreditava que a vida era fruto de uma grande canção, quem somos nós para discordarmos disso? O disco é, no geral, excelente. Talvez um tanto quanto calmo demais, mas, sem dúvida, um conjunto de músicas de beleza incomensurável e que irão agradar facilmente a todo fã de folk e de música antiga.

Faixas:

1. Tír Im
2. Dan Barliman's Jig
3. The Silver Bowl
4. The Man on The Moon
5. A Verse To Elbereth Gilthóniel
6. Elechöi
7. Beware The Wolf
8. Oromë: Lord of The Hunt
9. Creation Hymn
10. When Dúrin Woke
11. Eala Earendel
12. The Sacred Stones
13. The Battle of Evermore
14. The Blood of Kings
15. Verses To Elbereth Gilthóniel
16. Evening Star

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