terça-feira, 23 de agosto de 2016

The Cat Empire – Two Shoes (2005)


Há anos, ouvi de um amigo meu que a água que os músicos australianos estão bebendo está batizada. Ele, na ocasião, se referia especificamente ao Tame Impala e ao Hiatus Kaiyote (grupo sobre o qual pretendo escrever aqui num futuro não muito distante). É vero, mas creio que dê para dizer que essa frente de gente criativa vinda da terra dos cangurus é ainda mais ampla do que se imagina.
The Cat Empire é um conjunto que já tem algum tempo de estrada. Formado em 1999 em Melbourne, a banda começou como um conjunto de jazz associado ao Jazz Cat de Steve Sedergen e evoluiu aos poucos seu som ao mesclá-lo com ritmos caribenhos (ska, reggae, calipso, salsa), Black Music (soul, blues, funk, rap) e uma boa pitada de rock. O resultado, além de assaz caliente, é dançante tanto para fãs de uma latinidade boa quanto para adoradores de um bom bate-cabeça.
O segundo álbum do conjunto australiano, Two Shoes, já traz em si uma pimenta extra por ter sido gravado no estúdio EGREM, em Havana, onde músicos importantes de Cuba já eternizaram suas boas notas. O disco abre com um naipe de metais pesadíssimo em Sly, grande cartão de visitas do som da banda: cool, sexy e envolvente. Os solos de sopros da canção que o digam. Na sequência, In My Pocket, uma espécie de chillout com entradas de ska, aparece para tirar o ouvinte dos eixos. É, facilmente, uma das melhores do álbum. Lullaby quebra um pouco o ritmo, enquanto Car Song induz ao mosh-pit. Two Shoes, faixa título do álbum, é uma balada envolvente e em compasso mais lento, mas muito bem temperada com um quê mariachi digno do Walker, de Joe Strummer. Ainda merecem destaque especial Sol Y Sombra, uma homenagem poderosa ao Buena Vista Social Club, Party Started, o melhor flerte com o hip-hop do grupo, e a faixa oculta 1001, melô meio-surfista, meio-country, que vem escondido depois de Night That Never End.
Cat Empire é um conjunto divertido, de fácil audição. É de encher os ouvidos, e não cansa. Bom para ouvir indo para a praia.
Faixas:
1. Sly
2. In My Pocket
3. Lullaby
4. The Car Song
5. Two Shoes
6. Miserere
7. Sol Y Sombra
8. Party Started
9. Protons, Neutrons, Electrons
10. Saltwater
11. The Night That Never End
12. 1001

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segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Tinariwen - Emmaar (2014)



 
Quem gosta de passar o tempo olhando mapas já deve ter percebido que, de todas as divisões geopolíticas do mundo, a do continente africano é a mais cheia de traçados retilíneos. Esses cortes, tão precisos e geométricos, são absolutamente inadequados para se separar povos e nações, uma vez que desconsideram completamente questões de relevo, solo, clima e, acima de tudo, distribuição demográfica. Só são assim porque, em meio às revoluções industriais que fizeram nascer o novo mundo, o europeu conquistou e subjugou o continente africano ao seu desejo e às vontades de suas máquinas vorazes, sem levar em conta quem lá estava desde tempos imemoriais. Com suas canetas e esquadros, fizeram cicatrizes doloridas não só nos mapas, mas também em milhões de pessoas. Dentre os vários grupos afetados por tal abjeto esquadrinhamento, destacaremos aqui o povo tuareg, etnia nômade bébere natural do Saara Ocidental.
Após o processo de independência e demarcação final das fronteiras africanas tal qual as conhecemos hoje, o território ocupado pelas andanças dos tuaregs foi dividido em sete países: Níger, Mali, Burkina Faso, Argélia, Líbia, Marrocos e Tunísia. Como era de se esperar, essa divisão arbitrária foi semente de muitos conflitos entre os tuaregs e os Estados que assumiram os governos nestes países, seja por imposições legais, seja por perseguição religiosa, seja por violências étnicas variadas. E é justamente neste cenário tenso, temperado por abusos de poder, revoluções e violência que músicos tuaregs encontram força e criatividade para criar e compor melodias de cair o queixo.
Fundado em 1979 por tuaregs de Mali sediados na Argélia, o Tinariwen (no idioma tamasheq, ⵜⵉⵏⴰⵔⵉⵓⴻ, ou “desertos”) é o que pode se chamar de um conjunto de verdadeiros rebeldes musicais. Isso porque, além dos temas densos e políticos nas letras do grupo, os seus membros realmente foram rebeldes: entre 1980 e 1985, os músicos se mudaram para a Líbia para receber treinamento armado de Gaddafi, e lá conheceram outros instrumentistas que se juntaram ao grupo. Dali em diante, percorreram o Saara tocando de graça para quem lhes desse uma fita cassete para gravar seu som. Agressiva, subversiva e resistente, a música do Tinariwen se espalhou organicamente pela região, mas demorou a se projetar para o resto do mundo. E ainda demoraria mais um tanto, pois não era o deserto o único responsável pela precariedade de condições: em 1990, integrantes da banda se mudaram de volta para Mali, onde pegaram em armas contra o governo. Somente em 1992 eles finalmente puderam se dedicar em tempo integral à música.
O som do Tinariwen se enquadra num estilo muito próprio e original, que hoje é chamado de Tishoumaren. A gama de influências é imensa, mas há de se destacar fortes traços do rock americano setentista, do blues e da música Raï, ritmo que se popularizou na Argélia durante a década de 30, mas que ganhou ares pop nos anos 80. O primeiro disco do grupo, The Radio Tisdas Sessions, só foi ser lançado em 2001, mas já foi suficiente para render reconhecimento internacional ao grupo tuareg.
Em 2014, dois anos após receber o primeiro Grammy pelo álbum Tassilli e fugir de mais uma revolta no Mali, a banda retornou ao estúdio para conceber Emmaar (algo como “o calor da brisa”), uma pérola musical da mais alta estirpe. O álbum, cantado todo em tamasheq, é uma pedrada do começo ao fim. As guitarras distorcidas se confundem com percussões bem demarcadas e vocalizações em coro que são quase transcendentais de tão intensas.
 Toumast Tincha, a faixa de abertura, já dita o tom dos próximos 50 minutos para o ouvinte: lamentos da secura do Saara, e timbres tão hipnóticos quanto o quentume das areias do deserto. O álbum se destaca por não perder em momento nenhum a intensidade, sem que isso entretanto se torne repetitivo para os nossos ouvidos ocidentais. Outras músicas merecem destaque especial, embora todas tenham seu brilho único: Arhegh Danagh, a terceira faixa, envolve o ouvinte com riffs potentes e bem temperados em ritmo Raï. Tahalamot, por sua vez, prende a atenção pela base de blues combinada com progressões arábicas bem sólidas e percussão muito bem amplificada e marcada. Imidiwanin Ahi Tifhamam tem um quê de rock das antigas, e surpreende a cada solo e refrão. Aghregh Medin, a faixa de encerramento, aposta na simplicidade de um som mais limpo e agudo, e é absolutamente tocante.
Emmaar é pérola, para ser ouvida e reouvida diversas vezes. E para sentir a cada toque nas cordas o poder de música realmente revolucionária. Atualmente o Tinariwen continua a rondar o mundo, nômade, como é desde suas raízes imemoriais. E, em cada ponto que param para tocar, continuam sua luta infindável pela liberdade de poder se expressar com música em qualquer lugar do mundo.
Faixas:
1. Toumast Tincha
2. Chaghaybou
3. Arhegh Danagh
4. Timadrit In Sahara
5. Imidiwan Ahi Sigdim
6. Tahalamot
7. Sendad Eghlalan
8. Indiwanin ahi Tifhamam
9. Koud Edhaz Emin
10. Emajer

11. Aghregh Medin

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sábado, 4 de janeiro de 2014

Pat Metheny - The Orchestrion Project (2013)


Considerado uma lenda viva do jazz, o guitarrista estadunidense Pat Metheny dispensa grandes apresentações. Nascido no Missouri em 1954 e, sob a tutela do húngaro Attila Zoller, levado desde cedo a frequentar apresentações de artistas como Jim Hall e Ron Carter, o jovem Pat rapidamente pegou o espírito da coisa e começou a se destacar no meio, até fazer sua primeira gravação profissional em estúdio com ninguém menos que Jaco Pistorious. Daí pra frente foi um estouro: o músico decolou no mundo do jazz , do fusion e do bop e lançou maravilhosas obras como Offtramp, Imaginary Day, Like Minds (gravado com Chick Corea, Dave Holland, Gary Burton e Roy Haynes) e, mais recentemente, o aclamadíssimo álbum Unity Band. Metheny também é conhecido por seu violão de estimação, o Pikasso I de 42 cordas que, diga-se de passagem, tem um som incrível, como é possível ver no vídeo abaixo:



Aliás, criatividade e instrumentações espalhafatosas sempre foram características muito fortes de Pat. Tanto é que, nos idos de 2008/2009, começou a trabalhar num projeto que, segundo o próprio, tinha em mente desde que tinha 9 anos de idade: a criação de um grande Orchestrion, que nada mais é do que um grande organismo mecânico capaz de tocar instrumentos conforme uma programação pré-determinada (e, mais tarde aprimorado, capaz de acompanhar o músico e seguir uma improvisação, por exemplo). Dentre os instrumentos robóticos, estão pianos, marimbas, vibrafones, sinos de orquestra, baixos, guitarras, percussão, garrafas e teclados. Agora... Ninguém melhor que o próprio Metheny para explicar como todo esse mecanismo funciona, não é mesmo?



Enfim... Construída a sua orquestra de robôs amestrados, só restava ao virtuoso sentar e fazer o que ele melhor sabe: música. Em 2010, lançou Orchestrion, um album de estúdio muito bem visto pela crítica como um experimento de jazz fusion e uma elevação do conceito de "banda-de-um-homem-só" à enésima potência. Juntamente do disco, Pat Metheny gravou, sob a direção dos irmãos Pierre & François Lamoureux, The Orchestrion Project (lançado em 2013), uma incrível performance onde o guitarrista, solitário e introspectivo, conduz magistralmente uma sinfonia robótica na antiga igreja abandonada de St. Elias (a propósito: as imagens são maravilhosas e eu recomendo a todos que tiverem a oportunidade: vejam o filme pelo menos uma vez).

A trilha sonora da apresentação foi lançada junto com o filme e é uma obra-prima! O disco duplo contém aproximadamente duas horas de improvisações delirantes e canções bem conhecidas de seu repertório, como Unity Village, Antonia e Sueno con Mexico, todas brilhantemente acompanhadas pela sinfonia artificial de Metheny. Além disso, o álbum também conta com a Suite Orchestrion, especialmente escrita para ser executada junto com as máquinas. É um álbum muito denso e pode ser um pouco cansativo para quem não tem o ouvido acostumado a longas improvisações e ao virtuosismo do fusion. De qualquer forma, é de encher os olhos de qualquer fã de jazz: a música é de uma qualidade inquestionável.

Agradabilíssimo, para se ter na estante. Vale muito a ouvida.

Faixas:



Disco 1
 
 01. Improvisation #1 4:51

 02. Antonia 6:14

 03. Entry Point 10:27

 04. Expansion 8:43

 05. Improvisation #2 10:07

 06. 80/81-Broadway Blues 4:23

 07. Orchestrion 15:59

Disco 2
 
 01. Soul Search 9:54

 02. Spirit of the Air 8:38

 03. Stranger in Town 5:39

 04. Sueno con Mexico 8:53

 05. Tell Her You Saw Me 5:17

 06. Unity Village 7:35
 
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domingo, 29 de dezembro de 2013

Beltaine - Rockhill (2004)





Festa pagã comemorada pelas antigas tribos celtas da Europa, o Beltane (do celta belo-te(p)niâ, ou "fogo brilhante") celebrava a chegada da primavera e a fertilidade da terra. Nela, os "foliões" dançavam, cantavam e se fartavam de alimentos em volta de uma grande fogueira que, tal qual acreditavam, emanava uma energia mística que faria um enorme bem aos homens (e às colheitas e rebanhos) que as absorvessem. Atualmente, ainda existem festividades na ocasião - que, no hemisfério norte é celebrada no dia 30 de abril e no sul, dia 31 de outubro - graças ao resgate destas antigas tradições por grupos neopagãos como os Wiccanos, muito embora nas comemorações contemporâneas prime a sensualidade humana em detrimento da fertilidade do solo.
A Polônia, muito embora não seja reconhecida como um dos países que mais sofreram a influência dos povos celtas, abrigou muitas dessas tribos na antiguidade e, assim como na França, na Irlanda e na Inglaterra, ainda existe vivo um certo carinho pelas tradições do passado. Um dos mais famosos expoentes musicais dessa cultura no país, o grupo Beltaine tem como base sonora tanto influências do folclore bretão-francês quanto do irlandês. O que diferencia a banda de outras várias tentativas de resgate contemporâneo da música celta é justamente a densidade com que cada uma das peças é executada e o álbum Rockhill, de 2004, é a prova disso. Cada interpretação de músicas tradicionais (além da inclusão de canções próprias) presentes no disco é surpreendentemente original dentro do possível - afinal de contas, algumas músicas possuem mais de 600 anos, é sempre bom lembrar - e a fluidez com a qual os músicos conseguem transitar entre ritmos é impressionante. De um raga (sim, temos algumas incursões orientais aqui também) para um an dro, de um an dro para um jig, cada pausa ou acelerada é de deixar o ouvinte perplexo.
A obra abre com o nome da banda como primeira faixa... E não à toa, é possível sentir a chama crepitante dentre as suaves flautas de Beltaine. A tradicional e brilhante Burning Piper's Hut vem logo em seguida e, além de dar uma chacoalhada intensa no ouvinte, causa pequenos espasmos de prazer a cada breque do bouzouki irlandês... E não demora para uma cítara delirar por aproximados dois minutos até a poderosa An Astrailhad (música tradicional francesa cujo nome, em bretão, significa "o brincalhão) que, apesar do título, é papo sério, enquanto músicas como a faixa-título Rockhill e The Sweetest Joy são afagos líricos muito sossegantes. Całuski Pastora é um aperitivo para o lado polonês do grupo e cumpre o que o nome - em polaco claro, "beijos da pastora" - sugere muito bem. 
A releitura da clássica The Foggy Dew, com vocais masculinos gravíssimos e incursões de pennywhistle de tirar o fôlego também merece especial atenção. Temos ainda faixas como Dance Around, Mary B. e The Sea of the Irish Dreams, que embora não se destaquem sobre as outras, são assaz agradáveis. E não dá para acabar de falar desse disco sem dar especial atenção a 4 Reele, que é uma coletânea de quatro animadas canções de baile celtas... Dignas de se subir em cima da mesa e sapatear para tudo que é canto. A faixa final, Sunrise, é um alentador fim-de-festa depois de uma agitada noite céltica.
No geral, Rockhill é um disco excelente e muito vivo. Para ser ouvido no trabalho, recebendo visitas, fazendo banquetes ou dançando em volta da fogueira.

Faixas:

01 - Beltaine

02 - Burning Pipers Hut

03 - Intro 

04 - An Astrailhad

05 - Rockhill

06 - The Sweetest Joy

07 - Całuski Pastora

08 - Dance Around

09 - Foggy Dew.mp3

10 - The Sea of the Irish Dream

11 - 4 reele

12 - Mary B

13 - Sunrise



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domingo, 6 de outubro de 2013

La Bamboche - Née de La Lune


O hurdy-gurdy, também conhecido como sanfona de corda ou vielle à roue ("viola de roda" em francês) é um instrumento antiquíssimo, oriundo do norte da Península Ibérica, e pode-se dizer que consiste de uma mistura inusitada entre um violino, uma gaita de foles e um piano. O som é feito ao se girar uma manivela acoplada a uma roda (daí a origem de seu nome), que faz vibrar algumas cordas, umas com tons que se modificam pelo dedilhar de um teclado acoplado ao corpo do instrumento, outras fazendo sons constantes, notas pedais. Apesar de razoavelmente desconhecido atualmente, o hurdy-gurdy está presente em muitas músicas do folclore europeu, da costa de Portugal aos gélidos palácios da Rússia.

Tive de fazer esta introdução pois é justamente este excêntrico porém ancião instrumento que dá a Née de La Lune (em português, "Nascidos da Lua"), quinto disco do grupo francês La Bamboche, um tom completamente diferente de outros discos de folk-rock da época e da região. Se no norte da França as bombardas, tinwhistles e gaitas de foles dos bretões criaram um som forte e característico, o hurdy-gurdy de Lyon contribui para a criação de uma peça única. O disco abre com a faixa-quase-título Je Suis Née Sous La Lune, bela e sublime balada embelezada pelos doces e aveludados vocais de Eveline Girardon, que contam com a ótima companhia de sua viola de roda e da sensacional gaita de foles do mago Jean Blanchard. Daí para frente só vem pedrada. A veia roqueira do grupo se manifesta em ótimos instrumentais como a insinuante Les Chavans ou a pesada Romarin. Em alguns momentos, a leveza e os sons macios retornam, como é o caso das tranquilíssimas Laissez Faire e Si J'Avais Une Amie, prova magistral do belo potencial melódico da língua francesa. Em outros momentos, entretanto, o grupo abusa de porradas fortes, como Brume Noire. Não dá para não citar, também, o frenesi causado pelos iodeleis impressionantes de Bourée Infernale (uma das faixas onde o hurdy-gurdy mais se destaca, inclusive) e do ar medievalesco apaixonante de En Passant Par Lyon. O disco se encerra quase que transcendentalmente com La Route de Padoue, um belo recital acompanhado por um envolvente diálogo entre sanfona de corda e gaita de foles.

Em suma, trata-se de uma pérola vinda do centro da França que, infelizmente, se tornou pouco conhecida pelos nossos lados. Simples de digerir e agradável de se ouvir, Née de La Lune merece ser fruído com especial atenção. Infelizmente o grupo se separou e não voltou a gravar mais discos depois da concepção desta jóia, mas é fato que o foi feito durante seu período de atividades já vale mais do que a discografia de muitos pretensos "artistas" soltos por aí.

Folk-rock de primeiríssima qualidade.

Faixas:
1. Je Suis Née Sous La Lune
2. Les Chavans
3. Laissez Faire
4. Scottish des Reaux/La Boulangerie
5. C'est à Vous Les Jennes Filles
6. En Passant Par Lyon
7. Bourée Infernale
8. Si J'Avais Une Amie/Brume Noire
9. Romarin
10. La Gare de Moulins
11. La Bourrée Du Diable/La Route De Padoue

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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Angel's Breath - Angel's Breath (1994)




         Esse disco parte pesado desde o começo; dois caras provenientes dos Balcãs em conjunto com um monte de eletronicidades, bando de percussionistas e vocalistas brasileiros, gravado aqui em Sampa, cantado em grande parte em -confesso- uma língua que desconheço, mas claramente balcânica. Qual é a conexão que tornou essa obra possível? A resposta é Mitar Subotic, o Suba. Ele se radicou em São Paulo em 1990, depois de ganhar um prêmio pela UNESCO devido ao trampo The Dreambird, in the Mooncage, em que misturava música eletrônica e canções tradicionais – o que continuou a fazer com a MPB-bossa-nova posteriormente por aqui. Quatro anos depois trouxe para cá seu comparsa sérvio Milan Mladenovic, conhecido já nas paradas de Belgrado pela banda Ekaterina Velika, pra finalizar um projeto em comum que tinham começado por lá. Daí sai esse discaço, da banda homônima completada por João Parahyba na percussão, Fábio Golfetti na guitarra, Taciana Barros como conselheira suprema (!, a fonte é o encarte), Marisa Orth e Madalena nas vozes .
         A primeira faixa, Praia do Ventu Eternu, com u, tem um quê absurdo de MPB, com a distorção e o sotaque dando uma destoada – pessoalmente, acho que o trabalho de Suba influenciou muito a sonoridade da “nova” MPB e bossa, mas aqui não tem esse enclausuramento e soa fresco, rock de anos 80-90 com bossa sim senhor. 40 seconds of Love é uma curta fofurinha que antecipa os efeitos e distorção do começo de Metak, onde as eletronicidades de Suba surgem com maior força, calmando-se sem aviso – as letras cantadas possuem tradução em inglês no encarte do CD, incluido em alguns torrents, acho bom pra acompanhar toda a proposta – pirando levemente nos efeitos, percussões e vozes depois.
         O português “retorna”, se considerarmos a primeira faixa como algo similar à língua em que escrevo, na 4ª faixa: Assassino. Tem no geral um tom hollywoodiano, com a entonação teatral da fala e o climax no maior estilo psicose; a-ssa-ssi-no. A curta música que segue é em “idioma desconhecido” novamente, Aplauzi, sendo baseada em um loop de canto e poucos efeitos, criando um ambiente etéreo interrompido por balbuciações. Ogledalo começa com a gaita tocada por Mladenovic, com uma linha dançante de baixo, num climão mais rock clássico com óbvias concessões, menos distorcido apesar da presença dos efeitos eletrônicos, mais intensos em algumas partes – a guitarra, o baixo, o cinismo do vocal e as vozes em eco no fundo são tão rock pra mim que não tem efeito eletrônico que tire essas aura.
         Já Courage III puxa mais pro lado do eletrônico embora tenha um saborzinho balcânico de cordas, com uma letra interessante, ainda mais se pensado em relação com os principais membros dessa banda e os acontecimentos políticos na época de gravação do projeto: Guerra Civil Iuguslava. Isso pode ser observado também na oitava faixa, a ótima Crv - uma porrada, somente isso, rock beirando a punkice com acordeão e metais em alguns momentos. A música que a precede é Čaura. Pra mim, em vários sentidos - crv é verme e čaura é casulo, o que pode simbolizar uma antecedência. Além disso, ela tem um clima etéreo que pode ser associado ao estado de suspensão que é o casulo e, principalmente, a letra: em Čaura o protagonista da música não acorda e somente dorme pensando em sua própria cara, em um aparente sinal de consideração somente para si mesmo. Em Crv se critica essa autoadoração e arrogância de parte das pessoas, “faces com sorrisos orgulhosos”, que são egoístas, o que pode ser considerado uma resposta da banda às barbaridades em diversos sentidos que estavam sendo cometidas ou no "casulo". Ou não, e isso é somente piração minha – as músicas são boas independente de possíveis merdas que eu disse.
         O fim desse álbum se aproxima com Madalena, quase um loop eterno em que somam outras vozes, caindo numa distorção pesadíssima – e gostosa no timbre, pqp- no final. A última faixa é Velvet, dando um final deliciosamente instrumental e percussivo pra esse discão. Apontaria como favoritas praticamente todas. Fim: o álbum soa inseparável pra mim, com a possível exceção de Crv, que tem som de single mas que cai como uma luva no álbum.


1. Praia do Ventu Eternu
2. 40 Seconds of Love
3. Metak
4. Assassino
5. Aplauzi
6. Ogledalo
7. Courage III
8. Čaura
9. Crv
10. Madalena
11. Velvet

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quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Loyce & Os Gnomos - O Despertar dos Mágicos (1969)


Banda oriunda de Limeira, interior de São Paulo, Loyce & Os Gnomos deixou para posteridade apenas um compacto, lançado em 1969 pela gravadora local Dó Ré Mi. Disputada por décadas nos submundos dos colecionadores de vinis, o disco é uma verdadeira pérola do rock nacional, no melhor estilo nugget garageiro e psicodélico do fim dos anos 1960. Com a inclusão de duas faixas do grupo na recente coletânea Brazilian Guitar Fuzz Bananas: Tropicalistas Psychedelics Masterpieces (1967-1976), a banda saiu da obscuridade total e o compacto foi relançado em vinil, com tiragem limitada, pela Valeverde Records.
O título "O Despertar dos Mágicos" faz referência ao livro homônimo dos franceses Louis Pauwels e Jacques Bergier que fez fama entre aquela geração de hippies mundo afora, pois descreve fenômenos paranormais e alienígenas estudados pelas ditas "ciências ocultas" e esotéricas. A capa do disco e nome da banda também só reforçam o estilo bicho-grilo da obra.
No lado A, está a faixa "Era uma nota de 50 cruzeiros", com fuzz eletrizantes e microfonia, com uma pegada punk precoce, barulheira que deixa gringos como The Sonics no chinelo. Em seguida, vem a baladinha "José João ou João José", que seria a maior caretice, não fosse a letra sobre as gravatas que enforcam e dos cogumelos gigantes. No lado B, "Que é isso" é a melhor música do conjunto. Assim como no lado A, a faixa seguinte é novamente uma baladinha, mas que não resiste e termina tomada por guitarras psicodélicas.
Escute e assista o interior paulista ferver em chamas.

Lado A
1. Era uma nota de 50 cruzeiros
2. José João ou João José

Lado B
1. Que é isso?
2. A Jardelina Querida ou Coletivo

Links nos comentários, José João.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

The Fellowship - In Elven Lands (2006)



Filólogo, escritor e professor, J.R.R. Tolkien se consagrou em meios literários com duas obras: O Hobbit e o Senhor dos Anéis. O primeiro, livro infantil, conta a saga do então jovem hobbit (povo de baixa estatura - não ultrapassam a altura de crianças quando adultos - e de pés grandes e peludos) Bilbo Bolseiro em busca de um tesouro de um reino de anões que há muito tempo vem sido guardado pelo terrível dragão Smaug. O segundo, um pouco mais denso e complexo, voltado para um público adulto, conta a épica história do sobrinho de Bilbo, Frodo Bolseiro, enquanto ele tenta destruir um anel mágico pertencente ao Senhor do Escuro, que ameaça a tudo e a todos com a sombra de uma terrível guerra.

Talvez não seja necessário explicar muito mais a respeito desses dois livros em especial, mas nunca é demais dizer que o universo de fantasia medievalesca criada pelo britânico oriundo da África do Sul é de um valor mitolígico indubitável. Afinal de contas, Tolkien sempre se preocupou com a coerência e a complexidade das tramas que criava: a Terra-Média e Valinor, dois principais palcos de suas narrativas, possuem um panteão rico e detalhado de divindades, localizações geográficas precisas (além de escrever, o autor desenhava seus próprios mapas) e línguas próprias e características de cada povo que lá habita. Tolkien, por ser um grande estudioso de idiomas, criou estruturas gramaticais, sintaxes e formulou dialetos completos. O quenya, falado pelos altos-elfos, é derivado do finlandês. O sindarin, mais comumente falado pelos elfos, sejam eles altos, cinzentos ou da floresta, é baseado no galês. Já o rorric, idioma dos homens da Terra dos Cavaleiros, tem um quê de inglês arcaico. A fala negra, falada pelas maléficas criaturas de Mordor, era uma mistura de russo com o antigo idioma hurrita. Todas as línguas citadas foram moldadas de forma que sua fonética condizesse com o perfil dos personagens criados por Tolkien, sendo que as duas primeiras sempre se empostaram de maneira mais nobre, leve e melodiosa.

51 anos depois do lançamento do último Senhor dos Anéis, um grupo de músicos liderados pelos neozelandeses Caitlin Elizabeth e Adam Pike, em cooperação com o vocalista do Yes, Jon Anderson, lança um trabalho de sete anos de pesquisas e de composições minuciosas em cima do universo mitológico de Tolkien. In Elven Lands, concluído em 2006, tinha como objetivo constituir o que mais se aproximaria da sonoridade dos povos perdidos do vasto mundo de Arda. Para atingir tal fim, os músicos fizeram questão de aprender quenya e sindarin e - acima de tudo - estudar com afinco os mínimos detalhes das histórias do autor inglês para trazer, para o mundo dos homens, a música dos elfos. Além disso, todos os instrumentos utilizados na gravação do disco buscam se aproximar do que poderia ser utilizado na Terra-Média: o acervo flutua entre hurdy-gurdys, flautas de madeira, pandeiros, bombardas, alaúdes...

Pode-se dizer que o resultado é pra lá de satisfatório: o repertório do álbum é muito agradável acústicamente e não deve em absolutamente nada a qualquer outra tentativa de ilustrar musicalmente a obra de J.R.R. Tolkien. O ouvinte não terá dificuldades em, numa experiência sinestésica, viajar dos Portos Cinzentos até o Valle, dar uma banda pelas Florestas Sombrias, tomar uma ale espumante nas estalagens do Condado, passar pelas minas dos anões em Moria e muito mais! Dentre as várias peças nas duas variantes do élfico e em inglês, seria interessante prestar bastante atenção na animada Dan Barliman's Jig (uma energética balada non-sense à moda dos hobbits), nos vários versos dedicados a valar (divindades do universo tolkeniano) como Elbereth Giltoniel ou ao grande caçador Oromë, na bela The Man on The Moon (quem leu os livros reconhecerá a história contada aos hobbits por Tom Bombadil) ou mesmo na serena Silver Bowl (belo hino em homenagem ao espelho d'água da dama Galadriel de Lothlórien).

E como falar deste belo álbum sem citar a tensa Beware The Wolf, a esplêndida versão do clássico do Led Zeppelin Battle of Evermore (que, pasmem, também foi inspirado nos livros de Tolkien) e o lamento dos anões, When Dúrin Woke? Isso para não comentar, também, a beleza dos cânticos de Elechöi (aqui o velho Jon Anderson solta a voz numa linda composição) e a brilhante Eala Earendel, belíssima homenagem ao brilho das estrelas?

Certamente, não dá mesmo para fechar esse texto sem falar de Creation Hymn, estupenda redenção do Ainundalë do Silmarillion, conto de Tolkien que explica que a criação do universo se deu não pelo big bang, mas sim por uma bela música orquestrada por Eru ou Ilúvatar, a divindade de maior importância nessa mitologia toda. Se o próprio autor acreditava que a vida era fruto de uma grande canção, quem somos nós para discordarmos disso? O disco é, no geral, excelente. Talvez um tanto quanto calmo demais, mas, sem dúvida, um conjunto de músicas de beleza incomensurável e que irão agradar facilmente a todo fã de folk e de música antiga.

Faixas:

1. Tír Im
2. Dan Barliman's Jig
3. The Silver Bowl
4. The Man on The Moon
5. A Verse To Elbereth Gilthóniel
6. Elechöi
7. Beware The Wolf
8. Oromë: Lord of The Hunt
9. Creation Hymn
10. When Dúrin Woke
11. Eala Earendel
12. The Sacred Stones
13. The Battle of Evermore
14. The Blood of Kings
15. Verses To Elbereth Gilthóniel
16. Evening Star

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